sábado, 22 de outubro de 2011

Bandeira Branca


Bandeira Branca- Queremos PAZ!

Bandeira Branca, Amor
Não Posso Mais
Pela Saudade
Que Me Invade
Eu Peço Paz (Bis)


Saudade Mal De Amor, De Amor
Saudade Dor Que Dói Demais
Vem Meu Amor
Bandeira Branca

Eu Peço Paz


BANDEIRA BRANCA pedimos paz.


A primeira música que eu ouvi no pequeno som que me foi oferecido no Dia dos Pais. A música da saudosa Dalva de Oliveira.


de tudo, esquecendo-se de levantar BANDEIRAS BRANCAS, símbolos da paz, da solidariedade e do amor fraterno entre todos os habitantes do mundo.


Bandeira Branca, amor. Eu peço paz. Pedimos paz. Queremos paz, amor o mais depressa possível. A violência misturada com a corrupção nos sufoca, sufoca o tempo todo. Desde as grandes potências, às pequenas comunidades lutam desbragadamente contra esses dois males terríveis. Só se fala em dinheiro, dólares, euros, “acordos internacionais” e a violência vai tomando conta



Paz! Paz” Paz!



, da usura, do poder econômico que sufoca o mundo inteiro.


O poder, econômico e político e a violência são a razão do medo, da intolerância, da injustiça social em que vivemos. É viva deve ser constantemente recordada as palavras do Nosso Mestre Jesus Cristo, “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (João 14,5). Bandeiras Brancas eu peço paz!

Todos somos um sem qualquer distinção. Somos cidadãos do mundo inteiro, dependentes uns dos outros. Chega de violência! Chega de desamor. A vida é um bem que nos foi dado por Deus e não pode ser deixada entregue aos amantes da guerra

Há um princípio popular que diz: “Primeiro as pessoas e depois as coisas”, “Primeiro os seres humanos e tudo o mais deve vir depois”. Vamos hastear bandeiras brancas. Nos palácios, nos congressos, nas assembléias e câmaras de deputados e vereadores, nas repartições públicas e nas empresas, todas elas. Vamos hastear Bandeiras Brancas nas ruas, nas estradas, em todas as casas de famílias. Quantas saudades dos velhos tempos. Tempos dourados em que a lua pertencia aos namorados; tempo em que se faziam serenatas nas madrugadas, cantando cantigas de amor. Sem medo, sem receio de balas perdidas de corridas entre os bandidos e polícias, tiroteios nos bairros, nas favelas, nas grandes e pequenas cidades.


Vamos cantar novamente o direito de todos, sem distinção, de ir e vir, de caminhar de noite, indo ou vindo de uma festa, cantarolando canções de fins de noite, “Alegria, Alegria” de Caetano Veloso, andar por aí livre “sem lenço e sem documento” e “A força Estranha” de Roberto Carlos que nos faz cantar e encantar.


Vamos repetir: o mesmo Roberto Carlos que canta e nos ensina a viver “Eu só não quero cantar sozinho, sem um canto amigo para poder cantar”.


São saudades mesmas não é saudosismo. Vamos hastear Bandeiras Brancas, principalmente nos lares e nas escolas onde tudo começa. Vamos devolver o carinho, a afeição, a compreensão que deve existir entre os componentes das famílias. Nas escolas sejam do ensino fundamental às universidades, Bandeiras Brancas para todos os lados. Sem brigas, sem violência, sem crimes inexplicáveis onde aluno mata professor e professor mata aluno, numa demonstração da ausência de Deus presente em atos tão dolorosos.


Vamos às ruas, vamos passear pelas avenidas, vamos cantar novamente hinos ao AMOR e a PAZ. Que os interesses pessoais e escusos, que tanto mal fazem às comunidades nacionais e internacionais não mais perdurem. De novo, somos todos um. Eu. Você, a natureza e Deus o maior de todos. Esta unidade toda é que nos dá vida e direito de viver. Deixando o sol nascer e pôr-se no oriente. Deixemos as estrelas brilharem alumiando a terra; que as ondas dos mares cumpram o seu papel de se estenderem nas praias; que os rios e os regatos sejam novamente límpidos e transparentes como outrora longe da poluição. Deixemos a natureza em paz, vivamos em comunhão com nosso semelhante, todos nós sob a proteção de Deus Todo Poderoso.


Que as janelas das nossas residências sejam abertas das grades que nos aprisionam; como em Berlim que se derrubam os muros que nos separam e nos fazem desconhecidos e isolados como se fôssemos únicos e isolados e únicos. Lembremo-nos da oração de Jesus que disse aos seus discípulos e continua nos dizendo: “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz, não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a nossa igreja...” Bandeiras Brancas, amor e paz. Paz e amor.

Um forte apelo: todos à Fraternidade Universal.

Como lembrança da nossa saudosa Dalva de Oliveira:

Bandeira Branca, Amor
Não Posso Mais
Pela Saudade
Que Me Invade
Eu Peço Paz (Bis)

Saudade Mal De Amor, De Amor
Saudade Dor Que Dói Demais
Vem Meu Amor
Bandeira Branca
Eu Peço Paz


Ipiaú (Ba), 21.10.2011.



Wanda e Tatai

domingo, 9 de outubro de 2011

Meus vizinhos do “Beco do Padre Antunes"

Rua do Padre Antunes, nº. 9, “Beco” onde residi dos cinco ou seis a doze anos de idade. Nazaré das Farinhas, recôncavo da cidade de Salvador, onde nasci no dia 16 de junho de 1926.

Na casa mencionada, tive consciência de mim mesmo, e morava com uma irmã-mãe Nair e uma tia senhorazinha, lavadeira e engomadeira. Do trabalho de engomar e lavar, e da presteza de Nair, criatura que jamais me sairá do coração, por tudo que ela fez por mim.

Ela e Senhorazinha são as permanentes lembranças de uma criança pobre e feliz que viveu nesse Beco uma infância gostosa, bonita, saudosa sem temores e complexo, tão comuns alegados pelas gerações de hoje.

Dos seis aos doze anos, de viva lembrança era eu que levava as roupas, lavadas e engomadas, por Senhorazinha, ao Hotel Colombo e à Pensão Universal, de lá trazendo as trouxas de roupa suja, e o dinheirinho dos hospedes do Hotel, que nos sustentava do café da manhã, do simples almoço e do café da noite. Aluguel da casa, não sei quem ajudava pagar. Se Nelson ou Tatai que residiam fora, ou Clodoaldo, que aos 19 anos fora para cidade de Salvador, onde, hoje, ainda reside, com 98 anos de idade, e seus 17 filhos, graças a Deus, ainda todos vivos.

Uma lembrança curiosa: Certa vez, não sei que idade tinha, um quarto da casa, o da frente, foi alugado ao um taxista chamado Orlando. Certo dia ele me pediu um palpite para jogar no bicho. Disse-lhe uma dezena. Ele jogou e acertou no bicho. No dia seguinte, ele me pediu novo palpite, eu lhe disse:

Vai dar a mesma dezena de ontem. Ele jogou e tornou a acertar. Orlando, então passou a me chamar “O palpiteiro”. Que lembrança!

Dos cinco aos doze anos, infância feliz repito sem queixas e lamúrias. Aos doze anos, órfão de pai e mãe, minha madrinha Amélia – tão bonita que parecia Santa Teresinha – me internou no Asilo de Meninos Desvalidos, de onde saí como alfaiate, músico (tocava caixa), datilógrafo, e curso ginasial completo, isso em 1942, aos 16 anos. De 29 de dezembro de 1943 até hoje as histórias contadas, vividas, lutadas e memoráveis, são histórias da cidade de Ipiaú, Bahia, antes chamada de Rio Novo, onde conheci a minha primeira namorada, Celita, hoje Wanda Santana Santiago, minha Rainha, minha esposa, são 62 anos de casados, 8 filhos, 17 netos, 10 bisnetos, ao todo 51 pessoas na família.

Todavia, essa é outra história, o que intentamos hoje e agora é contar como vivíamos com os nossos vizinhos da Rua do Padre Antunes, “Beco do Padre Antunes”, grandioso beco, na cidade de Nazaré das Farinhas, onde nasci, e vivi até a idade de 17 anos, quando zarpei para Ipiaú, meu bem querer, terra que amo profundamente, e a quem devo tudo o que sou.

No mês frio de agosto, numa noite de insônia, imagens, fatos, casos, histórias passaram pela minha cabeça, e grandes recordações afloraram como a passagem de um filme, onde eu era um dos protagonistas.

As pessoas que me trouxeram pra Ipiaú- Aloysio, Américo, Zé Fonseca, e Quintiliano. A minha despedida de Nazaré, com Nair e Senhorazinha. A viagem de trem. A passagem pela Fazenda Provisão, a Igrejinha de São Roque- destruída pela enchente- e a primeira vez que vi a “Menina de tranças”, hoje minha menina, meu grande amor.

No meio de tantas lembranças, todas elas afáveis e carinhosas, me veio à tona com um realismo incrível:

“Os meus vizinhos do beco do Padre Antunes”

Como me lembro deles, ainda os vejo com a nitidez absoluta de como os vi, a mais de 70 anos atrás, quando residia no famoso beco. Com eles, na sua maioria idosa, vivi feliz anos de uma infância pobre e humilde, ainda que como vizinho desse beco, o cemitério de Nazaré, onde o portão situava no mesmo lado em que nós moravamos. Saudosos também os mortos daquele tempo, a quem peço a Deus pela suas almas, conhecidas e desconhecidas.

Tentarei, com certeza, do que estou escrevendo, nessa terra na lembrança, os meus vizinhos. Pra começar citarei porque são menos os vizinhos do outro lado das casas onde eu morei com Nair e Senhorazinha. Estou vendo um portão bem defronte da minha casa do senhor chamado Jô, cuja família, residia na Rua que dá pro Cine Rio Branco, só o que sei dele, junto, a casa de Dona Delia, senhora magrinha, cabelos compridos, branca, de uma meiguice, a quem tomava a benção, e ela sempre docemente, respondia: Deus o abençoe, Vadinho. Ela criava canários pendurados na janela. Na casa vizinha, duas irmãs, também idosas. Uma Dona Aurelina, e outra dona Marocas. Não sei que viviam; só sei que Dona Marocas, paralítica, cadeira de rodas, cega dos dois olhos, fazia “Mané-gostoso”, um instrumento infantil de brinquedo de criança. Mais adiante desse mesmo lado uma senhora morena, escura, cujo nome não me lembro, que usava de coisas de macumba, e vivia fumando um charuto, e dizendo palavras que eu jamais entendi. Era de macumba. Eu não tinha acesso nem a ela, nem a casa. Junto dela, a casa de Dona Alice, costureira, que morava com seu pai, um senhor idoso, chamado Cecílio. Tinha uma filha chamada Leda, que se vestia, se fazia parecer toda chique, imitando- velhos tempos- Shirley Temple, garota famosa do cinema americano, tipo hoje Maísa de Silvio Santos. Nunca me esqueço o senhor Cecílio, sofria de hemorróidas, e muito se lamentava do seu incomodo. Pois bem. Não sei por que cargas d’águas, menino inocente, travesso como todos os outros achei de brincar, dizendo: “Estou com hemorróidas.” Castigo, desse tempo até hoje essa hemorróidas me incomoda. Residia também naquela casa uma jovem bonita, vistosa, chamada Dada. Ela casou com o cidadão chamado Osires, e posteriormente já adulto, soube que ela era sogra do colega e professor Arésio, diretor do Colégio Estadual de Nazaré. Da casa de Dona Alice havia um portão fundo, da casa que dava para a rua da Quitanda- Rua Dom Pedro II- A principal avenida de Nazaré das Farinhas, na frente funcionava uma escola, isso defronte da casa já na outra rua, entrada do Beco, onde reside, hoje, Doutor Edvaldo Brito, grande médico de Nazaré das Farinhas, e junto da casa dele, um prédio de três andares- Sucesso na época- onde morava uma viúva chamada Dona Isaurinha, nunca a vi nem a conheci. Nessa mesma avenida, no beco que dá para a “Fontinha de cima” – Rua da alegria- onde se sentava com sua saia redonda e enfeitada, Dona Genoveva, a velha dos bolinhos de goma, que costumávamos comer com gulosidade, de tão gostosos que eram, do outro lado do beco, só me lembro, a venda do Senhor Tude, onde eu comprava um tostão de açúcar, um tostão de café, dois tostões de feijão, contado inclusive os vinténs, que havia dentro de um tostão.

Era o dinheiro do pobre, poupado da lavagem de roupa, da velha e querida tia Senhorazinha.

Mas só conhecia fora do Beco até ai, voltemos ao nosso beco, o lado mais importante, o lado onde eu morava, casa número 9, uma porta e uma janela, beco do padre Antunes, beco da felicidade da minha infância feliz, bem feliz onde a rua era a um tempo para jogar bola, brincar de picula, cantar “ciranda , cirandinha”, “meu limoeiro”. Sonhos, saudades, saudades, tempos imemoriais me trouxeram quadros pintados por Deus, que jamais me saíram da cabeça e do coração.

Comecemos de novo, junto a minha casa, a direita morava Dona Cota, e seu filho Louri, funcionário da estrada de ferro de Nazaré. Jamais a vi sorrir, sempre com o semblante fechado, como que se estivesse zangada. De pouca conversa. Na janela de sua casa, como se fosse uma quitanda, havia banana, laranja, mamão para vender.

Ao lado direito comecemos com a residência do casal Fidalgo, rico, educado, gente bem: Felipe Benício e Dona da Glória, casa bonita, sala de visitas com retratos antigos, um corredor imenso, que da porta de entrada divisasse um quintal enorme onde abundavam árvores frutíferas e uma espécie de varanda enorme onde costumávamos brincar e ouvir histórias a moda antiga, João e Maria, a Gata borralheira, bem como histórias de Reco Reco, Bolão e Azeitona, personagem do famoso Tico Tico, revista infantil que nos ensinou muita coisa. Casal delicado, sempre nos abrigava com os meninos da rua, sempre nos abrigava com os meninos do beco, e nos brindava ainda, com uma coisa curiosa, hoje talvez ninguém acredite. Junto da casa de Senhor Felipe e Dona da Glória, situava-se o Cine Popular. Havia dois cinemas na cidade. O Rio Branco, hoje uma casa de teatro, adquirida por Vampeta, e o Cine Popular, nosso vizinho do beco do padre Antunes, pois bem, acreditem no corredor dessa casa havia uma porta enorme tomando um grande espaço cheia de buracos. A noite desses buracos, fazíamos fila sentados na cadeira, de pé subido em escada, nós assistíamos aos filmes que passavam no cinema, de onde a visão era perfeita, dos buracos para tela. Desses buracos, que eram a nossa festa de cinema, nós, além de vermos os filmes de faroeste- Bob Steele, Ken Mainard, Buck Jones, filmes da vida de Cristo, além de seriados famosos como Flash Gordon, Dale Arden, e o famoso professor Zarkov, às voltas com o imperador Ming.

Era uma espécie da “Guerra das Estrelas”, tão comum nos tempos de hoje.

Fato pitoresco, dos buracos da porta do corredor, nós víamos claramente o professor Martin, ao piano, acompanhando o filme e suas cenas. Era o cinema mudo da época animado pelo piano do citado professor. Aos filmes românticos, as valsas de Strauss; os filmes de faroeste, as músicas ligeiras em forma de machas. Além das músicas clássicas para os filmes de terror e de mistérios: Frankstein, Bela Lugosi, entre outros daquela época. Daquela nos lembramos dos grandes astros do cinema Mudo, que fizeram história até hoje, gravada em nossos corações: Carlitos, o homem da bengala, da cartola e dos sapatos trocados, o gordo e o magro, Aroldo Loid, e os desenhos- os primeiros desenhos do cinema- Gato Fêlix e suas proesas. Não havia ainda o celulóide ou o plástico. Os desenhos eram feitos num papel especial, transparente, espécie do papel “Arengueiro”, muito conhecido então, não sei se ainda existe hoje.

Nesse cinema, nessa época, fato curioso e inesquecível, em duas sessões assistimos ao primeiro filme falado passado na cidade de Nazaré, Meu Coração te Chama, com os artistas Jam, Kiepura e Martha Eggert; filme todo ele cantado.

Nesta mesma casa, fizemos amizade com o casal Carlos Torres e Dona Urânia e seus filhos Francisquinho e Solange, amizade que durou até nossa idade adulta. Vizinho de destaque: A família de “Seu” Miné e Dona Zazá, e seus filhos Mizael, Milza, Milzete e Milson. Família que, tenho certeza influiu muito em minha vida até hoje. Criação amorosa, educada, solidária, verdadeira família cristã, com esses meninos mantive uma amizade que permanece até hoje apesar de estarmos distantes, sem saber mesmo como estão. Mizael faleceu em 1984. Vimo-lo pela última em Curitiba, em 1984 quando em excursão eu e minha Wandinha. Milza, viúva, mora em Salvador. Milzete ao que nos parece ainda reside em Alagoinhas. E Milson, o caçula em Salvador, seu filho é casado com Rita, que foi nossa aluna aqui em Ipiaú, filha de Gildésio Barreto. Com esta casa, com esta família aprendi a ser solidário, social, religioso, mantendo com eles, uma convivência tão sadia, que jamais me sairá do coração. Nunca me esquecerei que na hora do almoço da família, todos reunidos, Dona Zazá dizia: O almoço de Vadinho é depois. E fazia um gordo prato, cobria com um guardanapo e disfarçadamente me dava. Eu saia, discretamente, e com Nair e Senhorazinha participávamos do almoço da família de Dona Zazá e “Seu” Miné.

Que tempos, que tempos! Quanta bondade, que tempo! Quanta bondade. Quanta coisa me ficou na cabeça de gesto quase raro e inexistente hoje em dia.

Rezava-se ai o Santo Antônio, aniversário dos meninos, brincadeiras de salão, e em tudo eu participava, de igual para igual com essa grandiosa família.

Passemos agora à casa vizinha, junto do portão do cemitério. Vieram de fora outra família muito estimada: “Seu” Aurelino, Dona Rosália e seus filhos Ildérico, Onélia, Muiquinho, Valter, Neném, e Vanda. Esses meninos e os meninos de Dona Zazá, formávamos a criançada do Beco. Éramos donos do beco, corríamos livremente, cantava e dançava, como se fossemos os meninos mais felizes do mundo. Lembro-me como se fosse hoje, jamais me lembro de uma briga, de uma zanga, de uma inimizade dessa turma. Inclusive era proibido jogar bola na rua. Mas havia um soldado que tinha a incumbência de fiscalizar as ruas. Ele tornou-se tão amigo nosso que ao nos ver jogando bola na rua, nos chamou e disse: Quando eu chegar perto do Beco e disser “Quebra no Beco”, vocês interrompem o jogo. Sorria e ia-se embora sem mexer conosco. Concluindo, os vizinhos do Beco, podemos dizer fomos também vizinhos dos mortos. Era o portão do cemitério da cidade. Conhecido por nós todos que sem medo brincávamos no cemitério, subindo e descendo a ladeira, com a maior naturalidade possível, não tínhamos medo, pelo contrário, empinávamos a raia, e quando fiscalizados amarrávamos a linha em qualquer capela e nos escondíamos atrás das paredes, onde os mortos dormiam. Chupávamos caju nascido no cemitério, e nunca achamos sabor diferente dos outros cajus. Mentíamos uma espécie de respeito com os mortos jamais mexendo com qualquer coisa sagrada e respeitosa existente no cemitério de Nazaré, coisa curiosa.

Dos nossos vizinhos do Beco do Padre Antunes um portão do cemitério onde descansam os que partiram, e deixaram com saudade, aqueles a quem muito amaram. Que a paz de Deus esteja com eles. Enfim, do lado do cemitério que dá para Rua da Quitanda, um longo muro e na frente era nesse tempo, uma pensão, cujo dono jamais tivemos contato.

Não sei se valeu a pena, se testei a memória, se aos 85 anos ainda estou em dia com o passado e o presente, mas eis os meus vizinhos, a minha infância, o período mais gostoso da minha vida, até ir para o Asilo de Meninos Desvalidos, que me marcaram até hoje a minha personalidade. Agradecido por terem lido um pedacinho da vida de Vadinho, de ontem, e o velho Professor Tatai, casado com Wanda, 8 filhos, 17 netos, 10 bisnetos felizes todos, como Deus quer, vivendo nesta terra querida de Ipiaú, estado da Bahia.

Grande Beco ! Nazaré das Farinhas!

Memórias inesquecíveis!

Ipiaú (Ba) , 15 de Agosto de 2011-08-20

Edvaldo Santiago

(Professor Tatai)

Meus vizinhos do “Beco do Padre Antunes"

Rua do Padre Antunes, nº. 9, “Beco” onde residi dos cinco ou seis a doze anos de idade. Nazaré das Farinhas, recôncavo da cidade de Salvador, onde nasci no dia 16 de junho de 1926.

Na casa mencionada, tive consciência de mim mesmo, e morava com uma irmã-mãe Nair e uma tia senhorazinha, lavadeira e engomadeira. Do trabalho de engomar e lavar, e da presteza de Nair, criatura que jamais me sairá do coração, por tudo que ela fez por mim.

Ela e Senhorazinha são as permanentes lembranças de uma criança pobre e feliz que viveu nesse Beco uma infância gostosa, bonita, saudosa sem temores e complexo, tão comuns alegados pelas gerações de hoje.

Dos seis aos doze anos, de viva lembrança era eu que levava as roupas, lavadas e engomadas, por Senhorazinha, ao Hotel Colombo e à Pensão Universal, de lá trazendo as trouxas de roupa suja, e o dinheirinho dos hospedes do Hotel, que nos sustentava do café da manhã, do simples almoço e do café da noite. Aluguel da casa, não sei quem ajudava pagar. Se Nelson ou Tatai que residiam fora, ou Clodoaldo, que aos 19 anos fora para cidade de Salvador, onde, hoje, ainda reside, com 98 anos de idade, e seus 17 filhos, graças a Deus, ainda todos vivos.

Uma lembrança curiosa: Certa vez, não sei que idade tinha, um quarto da casa, o da frente, foi alugado ao um taxista chamado Orlando. Certo dia ele me pediu um palpite para jogar no bicho. Disse-lhe uma dezena. Ele jogou e acertou no bicho. No dia seguinte, ele me pediu novo palpite, eu lhe disse:

Vai dar a mesma dezena de ontem. Ele jogou e tornou a acertar. Orlando, então passou a me chamar “O palpiteiro”. Que lembrança!

Dos cinco aos doze anos, infância feliz repito sem queixas e lamúrias. Aos doze anos, órfão de pai e mãe, minha madrinha Amélia – tão bonita que parecia Santa Teresinha – me internou no Asilo de Meninos Desvalidos, de onde saí como alfaiate, músico (tocava caixa), datilógrafo, e curso ginasial completo, isso em 1942, aos 16 anos. De 29 de dezembro de 1943 até hoje as histórias contadas, vividas, lutadas e memoráveis, são histórias da cidade de Ipiaú, Bahia, antes chamada de Rio Novo, onde conheci a minha primeira namorada, Celita, hoje Wanda Santana Santiago, minha Rainha, minha esposa, são 62 anos de casados, 8 filhos, 17 netos, 10 bisnetos, ao todo 51 pessoas na família.

Todavia, essa é outra história, o que intentamos hoje e agora é contar como vivíamos com os nossos vizinhos da Rua do Padre Antunes, “Beco do Padre Antunes”, grandioso beco, na cidade de Nazaré das Farinhas, onde nasci, e vivi até a idade de 17 anos, quando zarpei para Ipiaú, meu bem querer, terra que amo profundamente, e a quem devo tudo o que sou.

No mês frio de agosto, numa noite de insônia, imagens, fatos, casos, histórias passaram pela minha cabeça, e grandes recordações afloraram como a passagem de um filme, onde eu era um dos protagonistas.

As pessoas que me trouxeram pra Ipiaú- Aloysio, Américo, Zé Fonseca, e Quintiliano. A minha despedida de Nazaré, com Nair e Senhorazinha. A viagem de trem. A passagem pela Fazenda Provisão, a Igrejinha de São Roque- destruída pela enchente- e a primeira vez que vi a “Menina de tranças”, hoje minha menina, meu grande amor.

No meio de tantas lembranças, todas elas afáveis e carinhosas, me veio à tona com um realismo incrível:

“Os meus vizinhos do beco do Padre Antunes”

Como me lembro deles, ainda os vejo com a nitidez absoluta de como os vi, a mais de 70 anos atrás, quando residia no famoso beco. Com eles, na sua maioria idosa, vivi feliz anos de uma infância pobre e humilde, ainda que como vizinho desse beco, o cemitério de Nazaré, onde o portão situava no mesmo lado em que nós moravamos. Saudosos também os mortos daquele tempo, a quem peço a Deus pela suas almas, conhecidas e desconhecidas.

Tentarei, com certeza, do que estou escrevendo, nessa terra na lembrança, os meus vizinhos. Pra começar citarei porque são menos os vizinhos do outro lado das casas onde eu morei com Nair e Senhorazinha. Estou vendo um portão bem defronte da minha casa do senhor chamado Jô, cuja família, residia na Rua que dá pro Cine Rio Branco, só o que sei dele, junto, a casa de Dona Delia, senhora magrinha, cabelos compridos, branca, de uma meiguice, a quem tomava a benção, e ela sempre docemente, respondia: Deus o abençoe, Vadinho. Ela criava canários pendurados na janela. Na casa vizinha, duas irmãs, também idosas. Uma Dona Aurelina, e outra dona Marocas. Não sei que viviam; só sei que Dona Marocas, paralítica, cadeira de rodas, cega dos dois olhos, fazia “Mané-gostoso”, um instrumento infantil de brinquedo de criança. Mais adiante desse mesmo lado uma senhora morena, escura, cujo nome não me lembro, que usava de coisas de macumba, e vivia fumando um charuto, e dizendo palavras que eu jamais entendi. Era de macumba. Eu não tinha acesso nem a ela, nem a casa. Junto dela, a casa de Dona Alice, costureira, que morava com seu pai, um senhor idoso, chamado Cecílio. Tinha uma filha chamada Leda, que se vestia, se fazia parecer toda chique, imitando- velhos tempos- Shirley Temple, garota famosa do cinema americano, tipo hoje Maísa de Silvio Santos. Nunca me esqueço o senhor Cecílio, sofria de hemorróidas, e muito se lamentava do seu incomodo. Pois bem. Não sei por que cargas d’águas, menino inocente, travesso como todos os outros achei de brincar, dizendo: “Estou com hemorróidas.” Castigo, desse tempo até hoje essa hemorróidas me incomoda. Residia também naquela casa uma jovem bonita, vistosa, chamada Dada. Ela casou com o cidadão chamado Osires, e posteriormente já adulto, soube que ela era sogra do colega e professor Arésio, diretor do Colégio Estadual de Nazaré. Da casa de Dona Alice havia um portão fundo, da casa que dava para a rua da Quitanda- Rua Dom Pedro II- A principal avenida de Nazaré das Farinhas, na frente funcionava uma escola, isso defronte da casa já na outra rua, entrada do Beco, onde reside, hoje, Doutor Edvaldo Brito, grande médico de Nazaré das Farinhas, e junto da casa dele, um prédio de três andares- Sucesso na época- onde morava uma viúva chamada Dona Isaurinha, nunca a vi nem a conheci. Nessa mesma avenida, no beco que dá para a “Fontinha de cima” – Rua da alegria- onde se sentava com sua saia redonda e enfeitada, Dona Genoveva, a velha dos bolinhos de goma, que costumávamos comer com gulosidade, de tão gostosos que eram, do outro lado do beco, só me lembro, a venda do Senhor Tude, onde eu comprava um tostão de açúcar, um tostão de café, dois tostões de feijão, contado inclusive os vinténs, que havia dentro de um tostão.

Era o dinheiro do pobre, poupado da lavagem de roupa, da velha e querida tia Senhorazinha.

Mas só conhecia fora do Beco até ai, voltemos ao nosso beco, o lado mais importante, o lado onde eu morava, casa número 9, uma porta e uma janela, beco do padre Antunes, beco da felicidade da minha infância feliz, bem feliz onde a rua era a um tempo para jogar bola, brincar de picula, cantar “ciranda , cirandinha”, “meu limoeiro”. Sonhos, saudades, saudades, tempos imemoriais me trouxeram quadros pintados por Deus, que jamais me saíram da cabeça e do coração.

Comecemos de novo, junto a minha casa, a direita morava Dona Cota, e seu filho Louri, funcionário da estrada de ferro de Nazaré. Jamais a vi sorrir, sempre com o semblante fechado, como que se estivesse zangada. De pouca conversa. Na janela de sua casa, como se fosse uma quitanda, havia banana, laranja, mamão para vender.

Ao lado direito comecemos com a residência do casal Fidalgo, rico, educado, gente bem: Felipe Benício e Dona da Glória, casa bonita, sala de visitas com retratos antigos, um corredor imenso, que da porta de entrada divisasse um quintal enorme onde abundavam árvores frutíferas e uma espécie de varanda enorme onde costumávamos brincar e ouvir histórias a moda antiga, João e Maria, a Gata borralheira, bem como histórias de Reco Reco, Bolão e Azeitona, personagem do famoso Tico Tico, revista infantil que nos ensinou muita coisa. Casal delicado, sempre nos abrigava com os meninos da rua, sempre nos abrigava com os meninos do beco, e nos brindava ainda, com uma coisa curiosa, hoje talvez ninguém acredite. Junto da casa de Senhor Felipe e Dona da Glória, situava-se o Cine Popular. Havia dois cinemas na cidade. O Rio Branco, hoje uma casa de teatro, adquirida por Vampeta, e o Cine Popular, nosso vizinho do beco do padre Antunes, pois bem, acreditem no corredor dessa casa havia uma porta enorme tomando um grande espaço cheia de buracos. A noite desses buracos, fazíamos fila sentados na cadeira, de pé subido em escada, nós assistíamos aos filmes que passavam no cinema, de onde a visão era perfeita, dos buracos para tela. Desses buracos, que eram a nossa festa de cinema, nós, além de vermos os filmes de faroeste- Bob Steele, Ken Mainard, Buck Jones, filmes da vida de Cristo, além de seriados famosos como Flash Gordon, Dale Arden, e o famoso professor Zarkov, às voltas com o imperador Ming.

Era uma espécie da “Guerra das Estrelas”, tão comum nos tempos de hoje.

Fato pitoresco, dos buracos da porta do corredor, nós víamos claramente o professor Martin, ao piano, acompanhando o filme e suas cenas. Era o cinema mudo da época animado pelo piano do citado professor. Aos filmes românticos, as valsas de Strauss; os filmes de faroeste, as músicas ligeiras em forma de machas. Além das músicas clássicas para os filmes de terror e de mistérios: Frankstein, Bela Lugosi, entre outros daquela época. Daquela nos lembramos dos grandes astros do cinema Mudo, que fizeram história até hoje, gravada em nossos corações: Carlitos, o homem da bengala, da cartola e dos sapatos trocados, o gordo e o magro, Aroldo Loid, e os desenhos- os primeiros desenhos do cinema- Gato Fêlix e suas proesas. Não havia ainda o celulóide ou o plástico. Os desenhos eram feitos num papel especial, transparente, espécie do papel “Arengueiro”, muito conhecido então, não sei se ainda existe hoje.

Nesse cinema, nessa época, fato curioso e inesquecível, em duas sessões assistimos ao primeiro filme falado passado na cidade de Nazaré, Meu Coração te Chama, com os artistas Jam, Kiepura e Martha Eggert; filme todo ele cantado.

Nesta mesma casa, fizemos amizade com o casal Carlos Torres e Dona Urânia e seus filhos Francisquinho e Solange, amizade que durou até nossa idade adulta. Vizinho de destaque: A família de “Seu” Miné e Dona Zazá, e seus filhos Mizael, Milza, Milzete e Milson. Família que, tenho certeza influiu muito em minha vida até hoje. Criação amorosa, educada, solidária, verdadeira família cristã, com esses meninos mantive uma amizade que permanece até hoje apesar de estarmos distantes, sem saber mesmo como estão. Mizael faleceu em 1984. Vimo-lo pela última em Curitiba, em 1984 quando em excursão eu e minha Wandinha. Milza, viúva, mora em Salvador. Milzete ao que nos parece ainda reside em Alagoinhas. E Milson, o caçula em Salvador, seu filho é casado com Rita, que foi nossa aluna aqui em Ipiaú, filha de Gildésio Barreto. Com esta casa, com esta família aprendi a ser solidário, social, religioso, mantendo com eles, uma convivência tão sadia, que jamais me sairá do coração. Nunca me esquecerei que na hora do almoço da família, todos reunidos, Dona Zazá dizia: O almoço de Vadinho é depois. E fazia um gordo prato, cobria com um guardanapo e disfarçadamente me dava. Eu saia, discretamente, e com Nair e Senhorazinha participávamos do almoço da família de Dona Zazá e “Seu” Miné.

Que tempos, que tempos! Quanta bondade, que tempo! Quanta bondade. Quanta coisa me ficou na cabeça de gesto quase raro e inexistente hoje em dia.

Rezava-se ai o Santo Antônio, aniversário dos meninos, brincadeiras de salão, e em tudo eu participava, de igual para igual com essa grandiosa família.

Passemos agora à casa vizinha, junto do portão do cemitério. Vieram de fora outra família muito estimada: “Seu” Aurelino, Dona Rosália e seus filhos Ildérico, Onélia, Muiquinho, Valter, Neném, e Vanda. Esses meninos e os meninos de Dona Zazá, formávamos a criançada do Beco. Éramos donos do beco, corríamos livremente, cantava e dançava, como se fossemos os meninos mais felizes do mundo. Lembro-me como se fosse hoje, jamais me lembro de uma briga, de uma zanga, de uma inimizade dessa turma. Inclusive era proibido jogar bola na rua. Mas havia um soldado que tinha a incumbência de fiscalizar as ruas. Ele tornou-se tão amigo nosso que ao nos ver jogando bola na rua, nos chamou e disse: Quando eu chegar perto do Beco e disser “Quebra no Beco”, vocês interrompem o jogo. Sorria e ia-se embora sem mexer conosco. Concluindo, os vizinhos do Beco, podemos dizer fomos também vizinhos dos mortos. Era o portão do cemitério da cidade. Conhecido por nós todos que sem medo brincávamos no cemitério, subindo e descendo a ladeira, com a maior naturalidade possível, não tínhamos medo, pelo contrário, empinávamos a raia, e quando fiscalizados amarrávamos a linha em qualquer capela e nos escondíamos atrás das paredes, onde os mortos dormiam. Chupávamos caju nascido no cemitério, e nunca achamos sabor diferente dos outros cajus. Mentíamos uma espécie de respeito com os mortos jamais mexendo com qualquer coisa sagrada e respeitosa existente no cemitério de Nazaré, coisa curiosa.

Dos nossos vizinhos do Beco do Padre Antunes um portão do cemitério onde descansam os que partiram, e deixaram com saudade, aqueles a quem muito amaram. Que a paz de Deus esteja com eles. Enfim, do lado do cemitério que dá para Rua da Quitanda, um longo muro e na frente era nesse tempo, uma pensão, cujo dono jamais tivemos contato.

Não sei se valeu a pena, se testei a memória, se aos 85 anos ainda estou em dia com o passado e o presente, mas eis os meus vizinhos, a minha infância, o período mais gostoso da minha vida, até ir para o Asilo de Meninos Desvalidos, que me marcaram até hoje a minha personalidade. Agradecido por terem lido um pedacinho da vida de Vadinho, de ontem, e o velho Professor Tatai, casado com Wanda, 8 filhos, 17 netos, 10 bisnetos felizes todos, como Deus quer, vivendo nesta terra querida de Ipiaú, estado da Bahia.

Grande Beco ! Nazaré das Farinhas!

Memórias inesquecíveis!

Ipiaú (Ba) , 15 de Agosto de 2011-08-20

Edvaldo Santiago

(Professor Tatai)