segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Recordações de Nazaré

“Fazei todo o Povo entrar”



Reminiscências de Nazaré das Farinhas
Terra Natal


Edvaldo Santiago

Aconteceu realmente.

Na “Missa do Batismo do Senhor”, em Nazaré das Farinhas, onde passei alguns dias revendo familiares e amigos.

Dia 10 de janeiro, como de costume fui à missa e, na entrada, recebi o semanário litúrgico catequético “O Domingo”: Missa do Batismo do Senhor.




Contrito, com pensamentos os melhores possíveis, levantei e com todos os outros entoamos o canto de entrada:

“Eis meu povo, o banquete / que preparei para ti / sofredor, pecador também / todo o pobre bem vindo aqui”.

Nisso, bem no meio do canto, entra na igreja um doido, nu de cintura para cima, sujo dos pés à cabeça, como se houvesse dormido na areia, num galinheiro; ainda por cima com uma pena de galinha na cabeça. Sentou-se no banco da minha frente e resmungava, mastigando sozinho não sei o quê.

Tomados de surpresa, fitei a minha frente o doido e com medo pensei, confesso, em sair do lugar. Os vizinhos de banco se afastavam e o zum-zum-zum aumentava em torno do doido.

Tudo isso se passava enquanto se entoava o canto de entrada:

“Mandei os servos por ruas e praças”.

Fazei todo povo entrar: / cego e coxo, o pobre, o infeliz, / venham todos comigo cear".

E começaram a chegar os cristãos a convidar o doido a sair da igreja; incomodados e com medo dele. Resmungava e não saía; estava zangado. Insistiam com ele as irmãs e resmungando sempre, disse não sair e não saiu do banco, nem da igreja.

E eu, olhando tudo isso, meditando, pensando, vivendo a cena e dizendo a mim mesmo:

- Será que o doido não tinha razão?

“Fazei todo o povo entrar: cego, coxo, o infeliz!”

Preparado o banquete, os convidados recusaram-se a comparecer; todos estavam ocupados em seus afazeres, nas suas labutas, cuidando das coisas, e o doido, o infeliz entrou na igreja, para tomar parte do banquete. Todo o filho é bem-vindo aqui.

Não sei o que se passa na cabeça do doido; se pensava, se orava, se tinha onde morar e estava alimentado; se sofria ou sabia que sofria. Não tinha, não tem ninguém. Vive à parte ou vegeta, não sei.

Sobretudo, participa, queiramos ou não, do Reino do Senhor!

“No batismo, diz “O Domingo”, o Espírito vem a nós não para segregarmos dos outros, mas para unir-nos aos outros; não para separar-nos do mundo, mas para fazer-nos solidários com o mundo; não para transformar-nos em elite no meio da “massa pecadora” mas para levarmos a massa a viver a vida de filhos de Deus”.

Continuou a missa, a procissão das ofertas, o banquete eucarístico, os ritos finais, a bênção do encerramento.

E o doido assistiu a tudo, quieto, "contrito", a ninguém incomodou.

O canto final dizia assim:

“Ide por todo o mundo, / anunciai o Evangelho! / Ide por todo mundo / anunciai o amor de Deus!”

Vamos deixar o doido de lado e vamos dar testemunho. Abrir espaço para os outros, tentar ser fermento de uma nova era; criar melhores laços de afetos em nosso trabalho, em nossa profissão, respeitando os outros; vamos tentar sempre ter em mente que somos iguais aos outros; vamos ser humildes. E, bons. Fraternos.

“Eis meu povo...”.

10.01.2002

26.01.2009

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