Euclides Neto autografando
Cidadão de mão cheia, desses de que o país sempre necessita, principalmente hoje, agora, quando o povo sofre e sente a ausência de homens públicos que ainda pensem no bem comum. Homens que, tendo nas mãos o poder, sempre se lembram de que sua obrigação é servir e estar disponível ao povo. Sempre ter tempo para ouvir, ver, assistir a tantos quantos o procuram, no exercício do seu cargo ou função; ou mesmo fora dele.
O retrato de Euclides Neto é servir. É estar presente.
Advogado, político; dos melhores prefeitos que passaram pela Bahia (1963 – 1966). Escritor já consagrado nacionalmente, com mais de oito livros publicados. Secretário da Reforma Agrária e Cooperativismo do Governo Waldir Pires. Orador primoroso, conferencista seguro em suas teses, principalmente nos assuntos que se refiram à reforma agrária, ao amanho da terra, ao respeito aos que nela trabalham.
Todos esses predicados se escondem no cidadão Euclides, homem simples, avesso a formalidades (dificilmente ou nunca usa paletó e gravata), pai extremoso, esposo dedicado, amigo daqueles que se guardam no coração para sempre. Tem medo de alma como todo mortal. Essa descrição, apesar de parecer pueril, é o retrato vivo do Dr. Euclides José Teixeira Neto. Apesar de todos esses títulos adquiridos por méritos pessoais e o talento que Deus lhe deu, continua sendo gente, humano dos pés à cabeça. Interiorano de Ipiaú, não quis alçar vôos políticos, inclusive ao Congresso ou Senado Federal. Preferiu ser útil entre nós a assentar-se nos tapetes da alta política. Pouca importância deu à vaidade. Por isso é ele estimado, procurado e necessário a sua comunidade, onde vive, passeia, conversa com os amigos e curte sempre a catinga. Também criador de bodes e de nelore e entendido no assunto.
Nasceu em Jenipapo, da Estrada de Ferro de Nazaré, daí para Ibirataia, de onde partiu para os estudos, formando-se em Direito.
Advogado militante, nunca acusou, sempre esteve a favor dos mais humildes, que o procuravam como advogado; posteriormente, como homem público: prefeito. Ficou sempre ao lado dos mais fracos, mormente na advocacia criminal, pouco ligando para honorários ou quaisquer vantagens pessoais. Simplesmente, a dignidade e o respeito à profissão, exemplo que transmitiu e transmite a tantos quantos tiveram a ventura de aprender e de conviver com ele de perto. Corajoso, de uma perspicácia profunda, estudioso e responsável. Grandes júris, grandes vitórias, isso sem alardes, sem foguetes. Antes, uma atitude de respeito e de seriedade para com a parte contrária, era seu hábito na sua atuação.
Como prefeito de Ipiaú, avançou o sinal e, até hoje, suas obras aí estão. Do célebre Ginásio Agrícola Municipal de Ipiaú – GAMI (hoje CEI) – à Fazenda do Povo esta terra deu um pulo em desenvolvimento equivalente a várias gestões municipais. A Fazenda do Povo é a prova de sua teoria de reforma agrária ao vivo, posta em prática. Deu certo e é palco de visitas oficiais. Hoje, com o advento da igreja, de escolas, com luz e seções eleitorais a Fazenda do Povo é uma realidade, que teve sua experiência a partir dos idos de 1995 mais ou menos. A Exposição Agropecuária, sofrendo as conseqüências da crise, foi de sua iniciativa e teve dias de visita de Ministros de Estado. Para não alongar, entre outras realizações, a mais importante, a criação da Congregação das Irmãs da Sagrada Família, espiritualmente um marco decisivo na gestão municipal Euclides Neto.
Seus livros contam a história da região, das suas dificuldades, das suas características. De “Os Magros”, com a luta de João para comprar um facão... à coragem da Albertina, que lutou e venceu a vida com “A Enxada”, seu último romance. A literatura de Euclides é de estilo vigoroso, atraente, gostoso de ler. Como todos os seus outros livros.
Na atual crise de valores, em que as coisas valem mais que os homens, Euclides Neto continua humano, humilde e simples, como gente que ainda sabe amar e ser amado.
ipiaú, 12.08.1998.
• Euclides Neto, o político.
Prefeito de Ipiaú, Município Modelo da Bahia.
Em Recife, Pernambuco, recebendo o titulo.
Dr. Euclides Neto e o Professor Edvaldo Santiago
Na Universidade Rural de Pernambuco / janeiro de 1967.
• IPIAÚ, MUNICÍPIO MODELO.
Tudo aqui medrava a olhos vistos. Era um só caminho! O progresso de Ipiaú. Idos de 1963 a 1967!
Surubim, nome de peixe, também conhecido como longo, locando, pintado ou surubi. Gostoso por sinal.
Surubim, nome do Município-Modelo do Estado de Pernambuco, ao tempo em que Ipiaú era o Município-Modelo da Bahia. Bom tempo, grandes tempos, tempo de muito trabalho e de colheita farta. Nesse ou naquele tempo, como queira, todos nós éramos um só entusiasmo e um só orgulho por Ipiaú.
Era o Prefeito de então Dr. Euclides Neto e, como hoje (1994), o velho escriba, o Presidente da Câmara. Com Lomento Júnior, Governador do Estado, até as enchentes ajudaram o crescimento de nossa comunidade. Foi quando nasceram, por exemplo, o Bairro da Democracia, a Merenda Escolar, o Ginásio Agrícola Municipal de Ipiaú, o saudoso GAMI após GEI, hoje, CEI. A Fazenda do Povo, nascida de uma experiência que deu certo, sendo seus primeiros moradores os pobres que perambulavam pelas ruas, sem profissão e carentes que queriam realmente trabalhar.
Mas vamos a Pernambuco, Recife, para a reunião dos prefeitos, e presidentes de câmaras dos municípios-modelo do Brasil. Patrocínio do INDA (Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrícola), comandado pelo inesquecível cidadão, político correto, patriota de antigamente, Dr. Edis de Souza Leão Pinto, pernambucano, brasileiro dos bons.
Lá vamos nós. Dr. Euclides, Prefeito, o Presidente da Câmara, o cronista, Da. Angélia, a primeira dama do Município e Gelinha, bem pequena ainda, filha do casal. Numa Rural não muito nova, mas bem dirigida pelo célebre Dubinha, na época Presidente do Sindicato dos Motoristas lá fomos nós representando nossa terra.
De Ipiaú a Recife, todo mundo feliz, alegre, apesar da estrada de chão batido, de sol inclemente e da seca que nos rodeava durante quase todo o percurso. Só de Petrolândia a Arco Verde, 90 quilômetros, tangente sem fim, de sol a pino, sem lugar para estender-se a mão em qualquer sombra. Deserto. Aridez. De vez em quando, poças d’água arroxeadas de gente se banhando ou matando a sede e animais, também, aguardando a sua vez.
Nesse trajeto, um fato raro a narrar. Meio a essa seca sem par, Gelinha sentiu sede e paramos numa casinha para beber água. Fomos atendidos por uma senhora, de jeito bem humilde, que nos trouxe um copo d’água.
Notada por todos nós a atitude daquela senhora. Gentil, todavia, meio sem jeito de dar a água. Foi quando Dr. Euclides, sentindo o drama, desistiu da água, dizendo que passou a sede de Gelinha.
Pois bem, sem pestanejar, a dona da casa voltou com o copo d’agua para dentro e, por certo, jogou a água no pote onde estava.
Chegamos a Recife. Recepção, acomodações. Coube para Ipiaú o Hotel “São Domingos”, muito “chic”, por sinal. Sofisticado, elegante, só mesmo para dirigentes de municípios-modelo do Brasil, entre eles, Ipiaú. Inclusive, sem despesas para os municípios.
Durante quase uma semana, todos nós nos reuníamos no auditório da Universidade Rural de Pernambuco, sob a presidência do Dr. Eudes, emérito cidadão, repita-se. Em plenário, tivemos oportunidade de relatar projetos, discutir política e nosso município serviu de exemplo em vários setores, principalmente no que se refere à união e harmonia entre os poderes governamentais. Tanto o Poder Executivo, quanto o Executivo fizeram crescer o município da Bahia, Ipiaú.
Crato, Município-Modelo do Ceará, Picos, do Piauí, Itabaiana, de Sergipe, Ipiaú, Município-Modelo da Bahia e outros discutiram, apresentaram projetos, prestaram contas, criticaram e deram sugestões sobre administração, política, economia.
Altas autoridades do país, civis e militares, as reuniões foram excelentes, delineando planos e projetos de primeira linha para os municípios-modelo, cujos critérios para a sua escolha, no Brasil, foram a independência política entre os poderes e a harmonia reinante entre os mesmos. Diga-se, de passagem, éramos mestres nesse assunto. O partido maior era sempre Ipiaú! Por isso foi escolhido Ipiaú o Município-Modelo do Brasil. A união, o respeito, a dignidade política, o bem-estar comum foram as nossas armas. O povo e os três poderes eram de bem uns com os outros!
Entre os altos debates, incluindo-se recepção no Teatro Santa Isabel e a visita ao Palácio das Princesas, então Governador de Pernambuco, o Sr. Paulo Guerra, Ipiaú marcou presença com posições, destacando-se, inclusive, em todos os setores veiculados nas reuniões.
Num dia bonito, de festa do interior, todos os municípios-modelo do Brasil reuniram-se em Surubim, pequena e saudável cidade, situada no Agreste de Pernambuco, onde o exemplo de vida e de trabalho não nos faltou hora nenhuma.
Como ouro, a água é aproveitada por todos os meios, gota por gota; represa, tanques, cacimbas, poças de chuva, pequenas lagoas, vale tudo e tudo em sua volta é aproveitado para o plantio de hortas. Água para beber, para banhar, para molhar hortas. Com que cuidado vimos poupar água! Um exemplo de vida em comunidade!
Nova recepção, discursos, almoço. Tudo natural, sem afetação para se mostrar; refresco de mangaba, fruto da terra, feijão servido em panelas de barro, churrasco, para todo igual. À tarde, bonito desfile, com os prefeitos e presidentes da câmara à frente. O Prefeito, Euclides Neto com esposa, Da. Angélia, e filha, Dr. Euclides, numa roupa de linho, calça boca larga, com a brisa da tarde, ficava balançando, à moda dos rapazinhos de então. E o modesto Presidente da Câmara. Os dois juntos com a Rainha e a Princesa do desfile em Surubim!
No Teatro Santa Isabel, no encerramento do Encontro, representando todos os municípios-modelo do Brasil, Dr. Euclides Neto foi designada para falar em nome de todos. Como nos dias anteriores, foi bem sucedido, expôs idéias políticas, todas elas de interesse do povo e foi aplaudido de pé por toda a assistência. Bela oração que marcou a todos pela singeleza e verdade nas afirmações.
Surubim, Pernambuco; Ipiaú Município-Modelo da Bahia!
Muita luta, muito suor, muito chão para percorrer na volta para casa. Mas trouxemos, entre promessas e certezas, dois tratores de esteira, raros, hoje, pelo preço, uma Kombi Odontológica e o Caminhão FNM (FÊNÊMÊ), existem até hoje.
Após uma semana de trabalhos, cansados, exaustos, pela viagem e pelas preocupações dos cargos, principalmente, o Prefeito, voltamos para casa. Missão cumprida.
Mudanças de governos. Entra Costa e Silva. Uma pena. Dr. Eudes de Souza Leão deixou o cargo. Sem sua independência política era difícil coordenar o programa.
Todavia, além dos veículos que conseguimos, ficou a lembrança, o trabalho, o esforço da administração e, melhor que tudo, o exemplo a seguir.
Maior que tudo, ainda:
Ipiaú será sempre Município-Modelo
para quem veste sua camisa, aposta no seu desenvolvimento
e acredita sempre nas
novas gerações que surgem todos os dias!
Janeiro de 1967
22.12.1994.
• EUCLIDES JOSÉ TEIXEIRA NETO
Escritor, cronista, jornalista, articulista, poeta, romancista de primeira.
Dicionarista, inclusive, autor de “Cacareco”, dicionário da nossa região.
Advogado, criminalista dos melhores, defensor dos mais humildes. Nunca patrocinou causas e bancos ou de empresas milionárias.
Secretário da Reforma Agrária do governo Waldir, não quis alçar vôos políticos mais altos. Preferiu sempre viver em nossa cidade.
Autor de vários livros, entre eles “Os Magros”, que trata de um pobre trabalhador rural, às voltas para comprar um facão. E o seu dinheirinho, sempre curto. O célebre e velho problema do trabalhador e o patrão.
Entre outros livros, escreveu Machombongo, uma história de solidariedade entre viajantes de uma região. Todos os caminhantes deixavam em determinado lugar, uma espécie de cabana em que havia sempre o lugar do fogo, da água, e o lugar para que descansassem e passassem a noite.
Em Trilhas da Reforma Agrária, Euclides Neto, conhecedor profundo do assunto trata da Reforma Agrária. Como prefeito de Ipiaú nos anos de 1963 a 1967 ele deu exemplo ao país com a criação da Fazenda do Povo.
A respeito dos livros de Euclides José Saramago se expressa assim: “ O livro de Euclides Neto, se sou bom juiz, é um bom livro, merecedor daqueles louvores que são a normal substância da ‘orelhas’ ou ‘badanas’, como aqui se diz. Deu-me prazer em lê-lo.
Escreveu também o Tempo é chegado, O Menino Traquino – Crônicas políticas e Crônicas leves; Comercinho do Poço Fundo, Os Genros.
Em a Enxada, Euclides conta uma história diferente de João de “Os Magros”. Enquanto este viveu a vida toda para comprar um facão e o dinheiro não dava, Albertina de “A Enxada” com um cacumbu desse instrumento conseguiu vencer na vida: ter uma boa casa, fazer família, criar filhos e viver feliz.
O livro “64: Um Prefeito, a Revolução e os Jumentos” traça um relato completo, uma síntese da Revolução de 31 de março de 1964, com todas suas nuanças políticas e o sofrimento e a preocupação do Prefeito Euclides Neto em toda essa odisséia.
Nesse livro a história de Ipiaú – período revolucionário – encontram-se lances curiosos e verídicos, verdadeiro testemunho dos fatos de então, no que se refere tanto a pessoas como fatos que marcaram a vida de Ipiaú.
Versão verdadeira de como se faz política e administra um município.
Euclides Neto, além de escritor, orador primoroso.
• Das coisas bonitas que Euclides Neto escreveu, este artigo.
Artigo, não, um poema. Melhor ainda: mais que um artigo, mais que um poema,
Uma Oração!
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- Suspiros de uma enxada -
Era vez...
Levanto-me os rubis do sol encastoados nos confins das eras, e a devoção humilde dos tempos bíblicos. É chegada a hora de abrir a cova das sementes que morrem para nascer. Se o bisturi lanceta a carne e evita o fim; se a caneta escreve os poemas, os romances e as partituras; se o computador é o cérebro do homem, tudo não existiria se os feijoeiros não florissem. Sou a lâmina que rasga o músculo da terra e cria a vida.
Sofro primeiro o ferrão envenenado da terrível jararacuçu, quando o roceiro o puxa aos pés para sacudir a terra e separar a erva...
Mas, envelheço e viro um desprezível cacumbu. Os ouros e platinas antigos são cobiçados pelos museus, enquanto fico largada à toa na roça-meu último repouso. O madeiro que me completa apodrece. Meu trabalho é eterno.
Já vergada e cega, passam-me a lima ríspida ou me batem na face com a pedra rude. Sou o espelho da lua e do sol quando nascem.
Os euditos me desprezam. Sempre os perdoei. Ainda mato-lhes a fome. Lavro todos os livros do mundo e não me alimento dos seus frutos.
Estou nos banquetes. Enfeito as jarras de cristal com as pétalas matizadas. Planto o linho das toalhas de richelieu que realçam os faisões nas baixelas de prata. Em oferenda, levo as frutas da sobremesa. Plantei as jaqueiras centenárias. Até a champanha e licores que inebriam, passam todos pelo beijo dos meus lábios. Levo alegria, gargalhadas, inspiração aos músicos e poetas.
Não me queixo do destino. Em verdade, em verdade vos digo: o pão do pobre e o da hóstia consagrada (que se transforma no corpo de Cristo) e a uva do vinho do seu sangue lavam minhas lágrimas e suor.
Os poetas nunca me lavraram um canto. Rimam os passarinhos, as luas crescentes, as saudades, as flores, as dores, os albores e os amores. Mas sou símbolo do lavrador, que lavra a dor. Sou a palavra da terra.
Não chego a ser coroa cravejada de brilhantes. Nem aliança nupcial. Nem adorno das rainhas. Nem medalha do Nobel da Paz. Nem estatueta do Oscar. Nem pouso na vaidade dos comendadores. Em verdade vos digo: não vou além de um caco de ferro metido num pedaço de pau.
Não deixo o aroma de sândalo e mirra dos Reis Magos aos pés do Menino. Em verdade vos digo: alimentei a família de José e Maria com o trigo que plantei.
Meu perfume é o suor dos negros nos eitos.
Não planto as metralhadoras nas trincheiras. Planto a rosa, o jasmineiro, o manacá, a flor do feijoeiro. Não planto a fome. Carpi-la é o meu ofício. Não toco a música dos violinos. Acompanho os acordes dos canarinhos-terra das amanhecenças. Não tenho os candelabros de ouro que ilumina os anfiteatros de veludo. O sol e a lua é que me enfeitam os salões verdes dos milharais e riscam partituras no chão.
Não vou esquiar Alpes gelados nos pés de princesas. Prefiro as mãos de rocha dos descalços. Não sirvo de brinquedo para os meninos dos palácios. Mas até as criancinhas que mal começam a andar na roça pegam a enxadinha gasta da avó e saímos traquinando. E o avô ralha, comovido: menininha é cedo pra labuta, teu tempo chega.
A debutante não me leva aos bailes da corte. Mas a menina da Fazenda do Povo, antes da primeira lua, me ama tanto que a sua mamãe me esconde para não fugirmos à horta sob a pureza das noites azuladas.
Quando virar uma lágrima de aço enferrujado, num canto da roça ou do oitão da casa de taipa, não quero que me sejam gratos – ó gente de pouca fé. Rogo que cantem uma oração para que eu possa adormecer em paz e voltar ao pó da madre, que tanto amei.
Alimento todos os homens: santos, operários, reis, generais, heróis, eruditos, criminosos no fundo das prisões, prostitutas. E nunca pergunto a quem vou alimentar.
Euclides Neto
1995
Homenagem aos 84 anos de idade vividos aqui e além.
Wanda e Tatai
11.11.2009