(Entrevista
Nosso preito ao jornalista Ipiauense Wilson Midlej pela sua brilhante e única reportagem com Dr. Salvador da Matta.
Salvador da Matta era médico, mas amava a educação. Era político, mas amava a educação. Auto didata de primeira sabia tudo lia tudo ensinava tudo e o fazia com brilhantismo e de cátedra.
Por sua iniciativa mudou o curso da educação em nossa região ao criar o ensino médio com o Ginásio e Escola Normal de Rio Novo. Salvador da Matta ensinou Latim, Francês, Higiene e Puericultura, Ciência, Biologia e vestibulares vários foram feito com seu ensino. Eis a importância da entrevista na Revista Bahia em Foco.
Eis a reportagem:
Salvador da Matta nasceu em 1915 em Catu e ali viveu sua infância. Concluído o curso de Medicina na Escola de Medicina da Bahia transferiu-se para Ipiaú e integrou-se à vida, daquela comunidade no exercício de sua profissão e no cumprimento de uma missão especial como educador. {Notabilizou-se como o fundador do Ginásio e Escola Normal de Rio Novo em 1951} onde implantou um modelo de ensino e aprendizagem responsável pela formação de várias gerações que o tem como referencial de grande mestre e ser humano. Morreu (aos 87 anos de idade em novembro de 2002) deixando um legado de integridade e saber aos seus sete filhos e aos seus inúmeros alunos.
Numa noite aprazível do mês de junho de 2002 enquanto sua esposa Zélia tocava piano concedeu à Revista Bahia Em Foco a seguinte entrevista:
Bahia em Foco = O senhor, grande educador nato, o que acha dos novos modelos de educação em vigência?
Salvador da Matta - É um pouco difícil de responder a respeito disso, mesmo porque eu não sou técnico em educação, não tenho formação especializada nesse setor; sou apenas um observador, um curioso que enveredou pela educação para preencher uma lacuna havida em nossa cidade. Agora, acho que há muitas coisas que se fazem por aí, cujos resultados não correspondem a tudo que está se inventando, a tudo que está surgindo de novo.
Então eu me lembro e faço uma observação um pouco antiga, que o velho professor, um dos grandes mestres da Bahia, meu professor, Fernando São Paulo, dizia que em medicina a abundância era sinal de pobreza. Quando uma doença tinha muito remédio, nenhum prestava. Então eu acho que está havendo a mesma coisa na educação. Há muitos processos, e todo dia surge um novo processo pedagógico.
O psicólogo diz uma coisa, o pedagogo diz outra, é tanta novidade que surge, que é possível que nenhuma esteja servindo completamente à causa da educação. Não sei se esta modernização está resolvendo como deveria estar o problema da educação e da alfabetização dos alunos.
Na verdade, vejo que todo e qualquer método é válido quando é bem aplicado. Há muitos anos eu li algo a respeito de um professor que dizia que o mais importante é que aquele que se proponha a aplicar determinada metodologia entenda bem do processo de ensinar e aprender e realize sua ação com consciência.
Bahia em Foco - Qual a sua opinião sobre as novas expressões da educação referências mundiais como Piaget, Freinet, Vygotsky?
SM - Eu não posso emitir uma opinião como gostaria. Li Freinet há um bom tempo. O processo educativo defendido por ele é interessante, mas muitos professores têm dificuldade em colocá-Io em prática. Continuo achando que todos esses métodos são eficazes, dependendo somente do conhecimento de quem os utiliza, os aplica. Muitas vezes surge algo e muitos se entusiasmam, mas se na essência o profissional não o sabe aplicar... Assim, eu reafirmo que todo processo poderá ser útil contanto que haja cuidado e dedicação com o aluno e que o professor faça aquilo com gosto, com amor, que tenha disposição e esteja motivado para ensinar e até aprender com seus alunos.
BF - Nesses 51 anos de educação o senhor formou inúmeros educadores, pedagogos, que o citam fre¬quentemente, seja em projetos de pós-graduação seja em eventos culturais e literários, como referência de didática, de metodologia e pelo dom de tornar as aulas ricas e interessantes. Que processo o senhor utilizou ao longo desses anos?
SM - Isso me deixa até um pouco sensibilizado, mas eu sou médico, não sou pedagogo, eu não sei se apliquei algum processo ou método, eu fui me envolvendo na área, por circunstâncias que me fizeram dedicar ao ensino aqui em Ipiaú, participar dessa experiência no início dos anos cinqüenta, sem que eu tivesse uma preparação prévia. Apenas o senso comum, e a minha experiência como aluno e como pai.
BF - Mas os resultados estão ai.. com tantas pessoas brilhando na educação da Bahia e em outros setores, e todos eles citando o senhor como referência ...
SM - Eu acredito que esses alunos falam isso, muito mais pela própria capacidade que demonstram nas áreas que abraçaram do que pela minha influência.
BF - Na verdade, sem ufanismo, toda a Bahia o reve¬rencia como um ícone na educação, embora sem a divulgação correspondente, pelo fato do senhor sempre se mostrar arredio a essa propalação, mas um grande número de pessoas realmente envolvidas com educação em todo o estado, citam o professor Carlos Dubois em Jaguaquara, o professor Élson Castro em Ponte
Nova (hoje Wagner), na Chapada Diamantina e o senhor na região do cacau. O senhor não se reconhece como educador?
SM - Eu acredito que induzi os meus alunos à leitura, ao amor pelos livros. Desde os 6 anos de idade que leio muito. Meu pai tinha uma vasta biblioteca em nossa casa no Catu, minha mãe lia muito e eu me habituei a ler desde cedo, e a vida inteira, todo tipo de leitura.
Desde contos, romances, à histórias de crianças. Os clássicos da literatura... eu li muito e fiz um curso aplicado no tempo de colégio. De forma que se algum mérito me pode ser creditado é levar cada aluno a se fascinar pelos livros.
BF - O senhor foi prefeito de Ipiaú por duas vezes, médico atuante, rotariano, mas o senhor acabou sendo marcado pela sua atuação como professor, no entanto o senhor afirma que não tem essa formação... o senhor não acha estranho ser lembrado como o professor que marcou a juventude de tanta gente, ao invés de ser lembrado como prefeito ou médico?
SM - O fenômeno se registra porque naquele tempo o único colégio que existia era aqui, pelo menos com o curso ginasial, magistério, etc. E o pessoal que passou por aqui... a nossa Escola Normal foi contemporânea da Escola Normal de Jequié. Então esse pessoal que por aqui passou, se espalhou pelo mundo, levando consigo o sabor da aprendizagem, do saber literário. Talvez tenha sido assim.
BF - Quais os educadores que o senhor mais admira?
SM - Para mim, o grande educador foi Anísio Teixeira.
BF-Qual seria a sua sugestão quanto ao rumo que a Educação da Bahia deve tomar?
SM - Acho que tudo deve ser feito com muito amor e dedicação, sempre. Tem que se procurar aquilo que for mais fácil e mais prático para que as crianças e os adolescentes possam adquirir educação e instrução. Além dessa dicotomia, é preciso que o mediador do ensino-aprendizagem criem dentro de si o desejo, a motivação de ensinar, e o amor pela educação! Os órgãos públicos precisam valorizar esse professor porque eles precisam também sentir orgulho pelo ato importante que cometem: formar a cidadã e cidadão.
BF _ O senhor sempre teve como filosofia, segundo relatos de alunos, de não aprender, de não reter o aluno ma reprovação, sempre permitindo que ele fosse adiante, para não perder o amor pela escola e para que adiante ele consertasse as deficiências daquele momento. O senhor ainda pensa assim?
SM – Não nem sempre foi assim. Aliás, no princípio era o contrário. Eu era um pouco mais exigente com a questão da qualidade e do conhecimento. Achava que devia haver um cuidado muito grande para que a pessoa só passasse para a série seguinte depois de demonstrar ter adquirido um conhecimento muito profundo em cada matéria do curso. Mas com o tempo eu passei entender que a reprovação quase nunca resolve o problema. O aluno fica traumatizado, cria um problema social dentro da própria família. Depois vai ocupar um espaço que outro estaria ocupando. Por isso, acho que a reprovação não resolve. O aluno que passa um ano letivo convivendo com os livros e com os professores compro¬metidos com o ensino, tem que absorver algum conhecimento. O problema é motivá-lo para aprender.
Ao longo da minha experiência, eu' vi muitos alunos que tiveram muita reprovação e depois, na vida, se projetaram com mais brilhantismo e densidade de conhecimentos do que alguns que nunca foram reprovados. Eu tenho diversos exemplos. Não vou citar nomes.
Aqui eu tive um menino que repetiu a 1ª série de ginásio 3 vezes. Foram três anos freqüentando a escola na mesma série. Tempos depois, li no jornal que ele era um dos maiores geólogos do Brasil. Um outro rapaz, descendente de libaneses, foi reprovado no exame de admissão ao ginásio, e o irmão dele, mais novo, passou adiante, terminou o ginásio e ele prosseguiu repetin¬do aqui e ali. Hoje, esse rapaz é um talentoso poeta, membro da Academia de Letras e, dizem, com uma cultura geral significativa.
BF - O senhor é favorável à jornada do estudante em sala de aula?
SM - Acho que o estudante deveria ficar na escola o dia inteiro. Não para estudar o tempo todo, mas para educar-se e instruir-se, além de outras atividades, como foi o plano de Anísio Teixeira quando instituiu, em Brasília, a Escola Parque e a Escola Classe - ¬Instrução e Educação. Na escola aula, ele teria a instrução que necessitava e na escola parque ele desenvolveria atividades extra¬curriculares.
BF - Quando o senhor foi prefeito de Ipiaú em duas ocasiões, ficou convencido de que a contribuição do poder público municipal é significativo para a educação, ou as escolas é que devem criar condições ade¬quadas?
SM - Acho que tudo nasce com o professor. A escola é a congregação de professores e alunos. O poder público, a prefeitura, deve criar as condições necessárias e deve ser cobrado por isso. Daí eu ser a favor, apesar dos riscos, da municipalização do ensino primário. A responsabilidade é do município e dos munícipes.
BF - Por que os riscos?
SM - Porque no município, muitas vezes a política é muito mais agressiva e intolerante do que a política em âmbito estadual. E, geralmente pode o ensino ficar sacrificado em função dessas possíveis divergências políticas.
BF - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabe¬lece que a educação fundamental, em suas classes iniciais, é de responsabilidade do município...
SM - Atualmente sim. Mas, anteriormente era de responsabili¬dade do governo estadual. Sou a favor dessa municipalização do ensino. E que o município assuma cada vez mais a tarefa de dinamizar o ensino fundamental. No momento em que o municí¬pio fizer isso, desaparece a figura do analfabeto. Se cada aluno em idade escolar tiver vaga numa escola municipal, sem que nenhum professor seja desviado da sua função para outras áreas, se isso acontecer, daqui a 10 anos não haverá indivíduo de 20 anos analfabeto.
BF - Obrigado pela entrevista.
SM - Quero dar os parabéns por essa revista, a única que conseguiu me entrevistar. (risos).
Junho de 2002.
Comentário de Tatai.
21.112009.
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