segunda-feira, 15 de março de 2010

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

Irrompe banquete adentro, Lázaro


Edvaldo Santiago


• CFE - CAMPANHA DA FRATERNIDADE ECUMÊNICA- 2010
• Lema: Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6,24)
• Tema: Economia e Vida

CFE – Tema e Lema a serem refletidos durante o ano inteiro. Como sempre, as igrejas ecumênicas – CONIC – lutam por justiça em favor dos pobres e oprimidos, permanentemente, excluídos do sistema.

Sem partilha, sem solidariedade, o dinheiro; a usura, o lucro desenfreado, o consumismo continuam a liderar o mundo. Dois mundos: ricos de um lado, pobres do outro e a injustiça no meio.

O mendigo Lázaro e o homem rico

“Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e
que fazia, diariamente, brilhantes festins.
Um pobre, chamado Lázaro, jazia coberto de úlceras
no pórtico de sua casa” (16, 19-21).

- Irrompe banquete adentro, Lázaro -

• Que beleza o poema de Dom Hélder Câmara. Inspirado na parábola de Lucas (16, 19-21), ele nos deixa mais uma das suas lições de amor. Amor a Deus e ao próximo, referindo-se de modo especial ao tema da CFE/2010.

Sempre o velho e histórico tema do rico e o pobre. A profunda diferença entre os poderosos e os marginalizados.

Na parábola de Lucas, enquanto um homem rico banqueteava-se com seus amigos em sua casa, nas escadas, estava um mendigo, Lázaro, doente, coberto de chagas, implorando o que comer. Surdos, o rico e seus companheiros nada viam, nada ouviam das lamúrias de Lázaro.

Morre o mendigo, Lázaro, morre o rico e, na outra vida, invertem-se os papéis. Enquanto Lazaro, no seio de Abraão, goza das delícias oferecidas aos pobres, o rico passa por terríveis momentos, curtindo o fogo do inferno. Apelando para Abraão, o rico recebe a resposta de que, em vida, já havia desfrutado das suas vantagens; era rico e nada lhe faltara...

O poema de Dom Hélder imprime a Lázaro, símbolo do pobre, retrato da pobreza, o sentido de dignidade, de respeito humano, conscientizando-o da sua cidadania, da sua humanidade, igualdade e respeitabilidade. No seu APELO A LÁZARO, incita-o e a todos os Lázaros a brigar, a lutar, a perseguir seus direitos e prerrogativas em torno da justiça, diante de Deus, diante dos homens. O Eu sou dentro de cada de nós é o mesmo, o mesmo Criado dentro de cada um de nós sem distinção de pessoas. Todos somos um. À Unidade!

“Não só de pão vive o homem...”. E o rico, todos os endinheirados precisam saber desta verdade; só assim haverá paz, justiça, solidariedade entre todos.

O saudoso Bispo de Olinda nos transmite esta relíquia transcrita na CFE 2010 e, aqui, comentada.

APELO A LÁZARO

Pelo amor que tenho aos ricos
- a quem não devo julgar,
a quem não posso julgar
e que custaram
o sangue de Cristo –
eu te peço, Lázaro,
não fiques nas escadas
e não te deixes enxotar –
irrompe banquete adentro,
vai provocar náuseas
nos saciados convivas.
vai levar-lhes
A face desfigurada de Cristo
De que tanto precisam
Sem saber e sem crer.

• Breve comentário:

Pobreza não é fatalidade nem imposição de Deus ou da natureza. Todos temos direito ao lugar ao sol, direito de ser feliz. Não é justa essa cruel diferença – pobres e ricos - que se perpetua por séculos e mais séculos. Não se deve aceitá-la, pura e simplesmente, como uma situação normal, estável. Uma minoria de barriga cheia, outros, a maioria, passando dificuldades mil.

Tem razão, Dom Helder. Estamos com ele, com ele concordamos: “Irrompe banquete adentro”.

Entra com a cara de dor, com todo o corpo doendo e ferido e mostra a essa gente que tu também és gente, filho de Deus. Ser humano, com os mesmos direitos de ser feliz.

Interrompa conversas de dinheiro, de lucro, de usura e te mostres insatisfeito com a injusta situação. Chega de injustiças, de discriminação social, econômica, política.

Basta de crueldade por causa de dinheiro, dinheiro, dinheiro. Há coisas, muita coisa que o dinheiro não pode comprar, graças a Deus. A honra, a dignidade, a vida, o amor são bens divinos, de valor tal que não há dinheiro que compre.

Vejamos bem as expressões, termos fortes e bem aplicados de Dom Hélder.

“Irromper” quer dizer, invadir, entrar sem bater à porta, sem pedir licença. Provoca, chama atenção com seu jeito de ser. Sem mascara, sem pieguices. Sê natural como Deus o fez. Nada receies, pois tu também és templo do Espírito.

“Irrompe”

“Adentro”, recinto, interno, reservado, guardado, dentro, interior. Advérbio.

“Adentro”

“Banquete”, festa, reunião de comemoração, comes-e-bebes à vontade, sinônimo de sucesso, vitória, alegria sem fim; comemoração, refeição lauta e festiva; festim, repasto. Lugar proibido aos pobres.

“Banquete”,

Pouco importa o que se passa lá fora, cá fora dos banquetes, nas escadas, debaixo das marquises, nos bancos dos jardins de noite e de dia. Que importa aos abastados e endinheirados o que se lá fora ou cá fora, se chove o se faz sol. Que nteressa aos ricos, se no seu recinto fechado, alcochoado, tudo vai bem?

Levantando, ainda, o brio, a vergonha, a dignidade de Lázaro, o pobre, o mendigo, em seu poema, Dom Hélder apela:

... e não te deixes enxotar

Valoriza-te, sabe tu quem és. Dignifica-te como homem, como cidadão. O mundo é grande e cabe a todos nós. Somos meros detentores das coisas que possuímos. Passageiros que somos por aqui, por que essa cruel divisão entre pobres e ricos!

Irrompe banquete adentro, Lázaro.

Testa, provoca esses senhores donos do mundo. Deixa que eles sintam, aspirem teu cheiro, tuas feridas, tuas náuseas. Ah! essa gente de nariz entupido!

Até quando, até quando, senhores do dinheiro, compreenderão a realidade?

Sintam, ricos de linho e de púrpura, o grave erro que estão cometendo no desprezo que continuam dando à pobreza, aos excluídos do sistema. Por que tanto dinheiro nas mãos de tão poucos? E grande maioria sem teto, sem vez, sem voz?

Parem, reflitam, partilhem, com o fez Zaqueu, o publicano.

A propósito do APELO A LÁZARO, acrescentamos nós:

Irrompe, também, Lázaro, os banquetes do Congresso, das Câmaras de Deputados, de Vereadores; de Tribunais e de inúmeras outras instituições públicas e mostra teu rosto, tuas chagas – a face de Cristo – e lhes interrompa a corrupção reinante entre seus maus participantes.

Dize-lhes: respeita o dinheiro do povo, prioriza o bem comum!

Só assim, compreenderão e crerão no Filho do Homem que nos ensinou que só haverá um banquete, banquete do amor a ser participado por todo o mundo, sem exceção.

Não é justo, não é legal esperar que só no outro mundo, com Abraão, encontrem os Lázaros da vida que aconteça a utopia.

A realidade nos convida à participação do banquete, hoje, aqui, agora!

. Apelo a Lázaro.

Irrompe banquete adentro!


Saquaíra, 29.01.2010.

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